Realidades dos Povos do Cerrado “devem ser consideradas invioláveis, respeitadas e autônomas, independentemente de planos de desenvolvimento”, afirma Júri do Tribunal Permanente dos Povos 

Painel de juízes da Sessão em Defesa dos Territórios do Cerrado se manifestou publicamente no dia 10 de dezembro de 2021

No dia 10 de dezembro de 2021, o júri do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado se manifestou publicamente sobre os casos apresentados durante a Audiência das Águas do Cerrado, realizada de maneira virtual entre os dias 30 de novembro e 1º de dezembro, sendo parte da programação oficial de atividades do TPP no Brasil. 

O pronunciamento foi a primeira reação do painel de juízes do TPP sobre as denúncias relatadas durante a Audiência e sobre a acusação do crime de ecocídio contra o Cerrado e genocídio cultural de seus povos indígenas e comunidades tradicionais que tem sido  cometido de forma sistemática por Estados e empresas. Participaram do evento de transmissão da declaração as e os integrantes do júri Deborah Duprat, Teresa Cravo, Rosa Acevedo, Dom Valdeci Mendes, Antoni Pigrau e Philipe Texier.

Casos apresentados 

Durante os dois dias da Audiência Temática das Águas, representantes de seis dos 15 casos denunciados pela Campanha em Defesa do Cerrado ao TPP evidenciaram, em seus relatos, a injustiça hídrica e o racismo ambiental causados pela apropriação privada intensiva e contaminação das águas pelo agronegócio e mineração. 

No dia 30 de novembro foram apresentados os casos dos Territórios Tradicionais de Fecho de Pasto e Ribeirinhos na Bacia do Rio Corrente, no Cerrado baiano, que enfrentam o agronegócio irrigado nos gerais; os casos dos povos indígenas Krahô-Takaywrá e Krahô Kanela, no Araguaia tocantinense, impactados pelo Projeto Rio Formoso de monocultivos irrigados; e o caso dos veredeiros de Januária, no norte de Minas Gerais, que enfrentam a degradação ambiental e hídrica promovida por empresas do complexo siderúrgico e florestal.

No dia 1º de dezembro, o júri ouviu depoimentos da Comunidade Ribeirinha Cachoeira do Choro, do município de Curvelo, Minas Gerais, que enfrenta a contaminação do Rio Paraopebas com rejeitos da barragem da Mina de Córrego do Feijão, da Vale, que se rompeu em Brumadinho em janeiro de 2019; também foi apresentado o testemunho de comunidades Geraizeiras de Vale das Cancelas, norte de Minas Gerais, que estão sob ameaça de perda do território, contaminação e supressão das águas por conta da instalação de um mega empreendimento minerário da empresa Sul Americana de Metais (SAM) na região. Por fim, foram ouvidos os depoimentos da comunidade camponesa de Macaúba, do município de Catalão, Goiás, impactada pela contaminação de suas águas por empreendimentos minerários de nióbio e fosfato da Mosaic Fertilizantes e China Molybdenum Company (CMOC). 

Manifestação do Júri

A Audiência das Águas foi a primeira de 3 sessões temáticas que irão anteceder a Audiência Final do TPP, por isso, a declaração do grupo de jurados não busca antecipar qualquer juízo definitivo sobre os crimes previstos na peça de acusação do Tribunal, mas comenta, de maneira contundente, sobre as violações apresentadas pelos representantes dos seis casos.

O painel de juízes reconheceu o fato de que estes povos e comunidades do Cerrado são alvos de projetos de desenvolvimento econômico que colocam em risco a manutenção de seus modos de vida e a conservação da sociobiodiversidade de seus territórios. “O Cerrado constitui um contexto de interesse prioritário não somente para o Brasil, mas também para o espectro de situações onde os planos declarados como ‘desenvolvimento’ se traduzem em projetos que violam os direitos fundamentais, individuais ou coletivos, entre eles o direito à dignidade, o direito à autodeterminação e o direito à vida – ou tratam sua perda como ‘efeito colateral’ ou ‘sacrifícios necessários’,” destaca o documento.

Indo mais além, a declaração proferida destaca que as realidades “culturais, de trabalho e de civilização” dos Povos do Cerrado “devem ser consideradas invioláveis, respeitadas e autônomas, independentemente de planos de ‘desenvolvimento’ propostos por agentes externos, sejam eles públicos ou particulares ou resultado de alianças de conivência, que vão na direção da destruição ou marginalidade estrutural dos povos do Cerrado”.

Balizados pelos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo artigo 3º do Decreto 6040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, o grupo de jurados afirma que das denúncias apresentadas pelos casos possuem supostas violações protagonizadas por agentes privados com a anuência de poderes públicos e sem que o Sistema Judiciário tenha realizado respostas equivalentes.

“(…) Todos eles envolvem supostas violações que vêm sendo praticadas num longo espaço de tempo, por agentes privados, inclusive transnacionais, apoiados por segmentos públicos, sem que o Judiciário brasileiro as tenha contido ou produzido regimes de reparação integral. As condutas denunciadas, que serão devidamente investigadas mediante exercício de contraditório, têm enquadramento inicial nos artigos 5 (crimes ecológicos, muito particularmente o ecocídio previsto no art. 5.1) e 6 (crimes econômicos) do Estatuto do TPP, ambos passíveis de serem atribuídos ao Estado (art. 9) e às empresas (art. 10). O Artigo 7 do Estatuto da TPP, relativo a “crimes de sistema”, também poderá ser aplicável. (…)”

Por fim, vale destacar que o painel de juízes se comprometeu a apreciar as recomendações gerais apresentadas pelas comunidades tradicionais, povos indígenas e organizações que integram a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado a respeito das denúncias apresentadas pelos 6 casos da Audiência das Águas. Segundo a coalizão de organizações, são medidas urgentes e necessárias que devem ser consideradas para a proteção das Águas do Cerrado e para a manutenção dos modos de vida de seus povos indígenas e comunidades tradicionais.

Próximos passos 

A próxima atividade pública do Tribunal Permanente dos Povos no Brasil será a realização da Audiência Temática sobre Soberania Alimentar e Sociobiodiversidade. O foco do evento serão as denúncias sobre a invasão e contaminação – especialmente por agrotóxicos – dos territórios e pelo desmonte das políticas de reforma agrária e de comercialização da produção camponesa, como processos provocadores da desestruturação dos sistemas agrícolas tradicionais, aumento da fome e ameaças à saúde coletiva, contribuindo em razão de sua sistematicidade (geográfica e temporal) para o ecocídio do Cerrado e ameaça de genocídio cultural dos povos do Cerrado. 

O evento acontecerá entre os dias 15 e 16 de março de 2022, de maneira virtual, pelos canais de comunicação da Campanha em Defesa do Cerrado.

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