Entre os dias 15 e 16 de março de 2022 foi realizada a segunda Audiência Temática do Tribunal, sobre Soberania Alimentar e Sociobiodiversidade. Representantes de seis casos denunciaram como a invasão e contaminação (especialmente por agrotóxicos) dos territórios pelo agronegócio com o apoio e a leniência do Estado e como o desmonte das políticas de comercialização da produção camponesa e de segurança alimentar e nutricional pelo governo Bolsonaro se configuraram como processos provocadores da desestruturação dos sistemas agrícolas tradicionais, aumento da fome e ameaças à saúde coletiva. De modo especial, enfatizaram a contaminação por agrotóxicos, utilizados como arma química por empresários do agronegócio como forma de exterminar ou inviabilizar os modos de vida dos povos do Cerrado.
Entre os dias 8 e 10 de julho de 2022, foi realizada na cidade de Goiânia (GO), de maneira híbrida, presencial e virtual, a Audiência Temática sobre Terra e Território. A atividade presencial contou com um público de 150 pessoas, entre representantes de povos e comunidades tradicionais, membros do júri, entidades membros da Campanha e instituições parceiras, além de comunicadoras e comunicadores populares.
Nos dias 8 e 9 de julho, os 15 casos se pronunciaram, apresentando denúncias centradas nos processos de desmatamento e grilagem de imensas porções de terras públicas e a imposição de grandes projetos de “desenvolvimento”, ao mesmo tempo em que não se respeita o direito à autodeterminação dos povos e que não avançam processos de demarcação e titulação de terras indígenas e territórios quilombolas e tradicionais da região. Tais processos foram qualificados como provocadores do racismo fundiário e ambiental para os povos. Em razão da sistematicidade (geográfica e temporal) das evidências apresentadas ao longo das três audiências, a Campanha denunciava como estas constituíam o processo de ecocídio do Cerrado e genocídio dos seus povos.
A Audiência Terra e Território teve também caráter de Audiência Final, catalisando o processo das três audiências, a partir do entendimento de que o direito à terra-território é condensador dos direitos dos povos do Cerrado, já que o território é imprescindível para a garantia de justiça hídrica, soberania alimentar e promoção da sociobiodiversidade.
Terra e Território
Na tarde do dia10 de julho, último dia da Audiência Final e após quase um ano de audiências e discussões sobre os 15 casos de violência contra povos e comunidades cerradeiras, o júri do TPP apresentou seu veredito. Povos e comunidades tradicionais presentes à Audiência Final ouviram os nomes de governos, empresas e instituições condenados pelo júri por cometerem os crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos. Para conhecer o veredito, acesse a página Biblioteca.
No dia 11 de julho, a Campanha realizou de forma presencial uma coletiva de imprensa para anunciar publicamente o veredito do júri. A coletiva foi transmitida ao vivo pelo canal de YouTube da Campanha.
Em 2021, a partir de debates virtuais com as organizações-membro da Campanha e as comunidades dos casos representativos da Sessão Cerrado do Tribunal, definiu-se a retomada do processo de lançamento do Tribunal do Cerrado e da realização de audiências temáticas como forma de preparação para a audiência final. Por causa da pandemia de Covid-19, as audiências seriam virtuais.
O Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado foi lançado no Brasil em 10 de setembro de 2021, às vésperas do Dia Nacional do Cerrado. Durante o lançamento, realizado durante live transmitida pelas redes da Campanha, foram apresentados fatos e dados que fundamentam a denúncia dos crimes de ecocídio e genocídio, e foi formalizado o aceite da peça de acusação por todos os membros do júri.
No 11 de setembro, em comemoração ao Dia Nacional do Cerrado, foi realizado, de forma virtual, o 1º Festival dos Povos do Cerrado. A iniciativa reuniu manifestações artísticas e culturais em torno da luta em defesa do Cerrado, reafirmando suas re-existências em sintonia com o anúncio do Tribunal. O festival foi promovido pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado junto à articulação das diferentes regionais da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Cerrado e organizações parceiras.
A primeira Audiência Temática do TPP teve como tema as águas do Cerrado. Realizada de forma virtual nos dias 30 de novembro e 1o de dezembro de 2021, a Audiência sobre Águas contou com depoimentos de representantes de seis dos 15 casos denunciados ao TPP. Eles evidenciaram a injustiça hídrica e o racismo ambiental causados pela apropriação privada intensiva (por meio de pivôs centrais e canais de irrigação) e contaminação (especialmente por rejeitos de minérios) das águas (rios e aquíferos) do Cerrado pelo agronegócio e mineração. A Campanha preparou um documento com a relatoria completa do evento disponível para download.
Em março de 2020 estava previsto o lançamento do Tribunal em Brasília, quando eclodiu a pandemia de Covid-19 e os encontros tiveram que ser cancelados.
As necessárias medidas de isolamento social impuseram ao processo novas formas e um calendário ampliado. A Audiência Final, inicialmente prevista para setembro de 2020, foi adiada para 2022, quando nos parece ser possível reunir centenas de pessoas com segurança. No entanto, entendemos que o Tribunal é um processo, e que a construção até a Audiência Final e o que se fará com os resultados desta é tão importante quanto o evento em si.
O Tribunal seguiu vivo durante 2020 e o início de 2021 de diversas formas. Construímos um processo amplo de caracterização e análise da diversidade de povos e comunidades do Cerrado, seus modos de vida e saberes associados à biodiversidade, que resultou na série de lives “Saberes dos Povos do Cerrado e Biodiversidade”, na série de artigos no Le Monde Diplomatique e compilados em um livro de mesmo nome.
Os anos de 2019 a 2021 também foram marcados pelo desmonte da institucionalidade ambiental brasileira, por incêndios criminosos e aumento nas taxas de desmatamento no Pantanal, Cerrado e Amazônia. Em razão disso, a Campanha tem participado ativamente na articulação entre comunidades, movimentos e organizações, que têm denunciado coletivamente esses processos no “Dossiê AGRO é FOGO: Grilagens, desmatamento e incêndios na Amazônia, Cerrado e Pantanal”.
Esses materiais – além de representarem a construção coletiva de análises sobre o Cerrado e espaços de encontro de lideranças, organizações e movimentos – alimentaram o conteúdo e são referências para a Peça de Acusação a ser entregue ao júri do Tribunal.
Ao longo de 2019, quatro encontros de construção do processo foram realizados:
Em janeiro, foi realizada uma reunião com movimentos e organizações locais do Maranhão, em São Luís, que acolheram a perspectiva de receber a Audiência Final, que naquele momento estava prevista para 2020.
A Reunião da Coordenação Ampliada da Campanha em abril e a Reunião Inter-Redes em agosto daquele ano, ambas em Luziânia – GO, avançaram na metodologia e acordos políticos do processo. Nesta última, o Secretário Geral do Tribunal Permanente dos Povos – TPP de Roma – Itália, Giovanni Tognoni, esteve presente para iniciar as tratativas a respeito da possibilidade de que o TPP acolhesse a demanda de uma Seção Especial sobre o Cerrado.
Em novembro de 2019, em São Luís do Maranhão, a Pré-Audiência do Tribunal referendou os casos indicados e consolidou o compromisso das organizações e movimentos com o apoio à Petição ao TPP, na presença da representante da instituição italiana Simona Fraudatario. A petição para a Sessão do Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado foi assinada por mais de 100 entidades, entregue e aceita em dezembro de 2019 pelo TPP.
Assim, após as eleições presidenciais de 2018, quando já estava evidente o cenário sombrio que se desenhava sobre o país e as perspectivas nefastas para os povos e comunidades do Cerrado, a Coordenação Ampliada da Campanha se reuniu em Luziânia – GO em novembro e decidiu por unanimidade articular um processo de Tribunal de Opinião dedicado ao Cerrado.
A Campanha em Defesa do Cerrado foi lançada em 2016, em um contexto de profundas rupturas na institucionalidade democrática no Brasil. A Campanha busca construir um espaço de mobilização conjunta a partir dos territórios do Cerrado para enfrentar os graves conflitos que se dão no processo de ocupação predatória da região por distintos grupos econômicos. De lá para cá, os conflitos fundiários e ambientais no Cerrado só se agravaram, em especial pela expansão de medidas de austeridade neoliberal, a destruição de marcos normativos e de avanços institucionais anteriores e pela ascensão do fascismo, racismo e antiambientalismo bolsonarista nos últimos anos.
O processo do Tribunal é um desejo latente desde o início da Campanha em razão da trajetória histórica de conflitos, mas ganhou corpo e urgência política na atual conjuntura, na qual ficou evidente que estão se acirrando os conflitos, cada vez mais com a legitimação ostensiva do poder público federal que incentiva e normaliza a violação de direitos e o desmatamento por forças privadas nos territórios, alimentando um ambiente de impunidade.
Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado
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